Marido pai e avô

O lado pessoal de Bibiano Silva, sua relação com a música, o tempo, os familiares e amigos, é aqui apresentado por depoimentos de duas netas e um sobrinho, que residiram com ele, a esposa Lydia Francisca e a filha Lecticia.

“Com ele aprendi a apreciar os rituais. Em cada atividade do seu cotidiano ele dedicava um tempo e um cuidado maiores do que é habitual nas outras pessoas. Pela manhã o seu banho era longo como jamais vi em alguém. Era lento e observador nas coisas que o interessavam, e distraído com aquilo que entendia poderem lhe roubar o tempo. Seu desjejum era composto de alimentos que os outros da casa não consumiam: ovo cru, suco de tomate natural, às vezes com sal, entre outras singularidades.

O pouco tempo que passava em casa não diminuía a força de sua presença. Numa das salas da casa onde poucas pessoas transitavam, havia uma radiola, muitos discos de vinil e livros, todos catalogados com muito zelo, por minha mãe; poltronas, cadeiras antigas e uma pesada cortina vermelha de veludo. Aí ele abraçava o violino, instrumento que tocou durante muitos anos, mas deixou de lado, preocupado em poupar as mãos e os dedos para o trabalho em escultura.

Quando adolescente fui uma única vez vê-lo em seu Atelier na Escola de Belas Artes. Falou comigo o que deveríamos tratar e se voltou para continuar a esculpir no barro os detalhes de 

um rosto. Fiquei observando. Deixou-se absorver, ignorando a mim e ao charuto, até que a cinza caiu. Então despertou e, surpreendido, perguntou: você ainda está aí? Há quanto tempo?

O tempo para ele era diferente. Costumava chegar em casa às duas, três horas da madrugada, com o material para preparar um jantar. Punha-se a cozinhar e despertava minha avó para degustar. Desfrutei de muitos desses momentos em minha infância. Ele convidava à sua casa amigos para festas e abrigava amigos em necessidade, até uma família inteira. Ajudava de modo natural, como se não houvesse outra coisa a fazer. Bibiano era tolerante mas sabia impor limites. E quando eles eram ultrapassados, tornava-se severo e exigente.

Lembro-me de que admirava rostos bonitos e, diante de alguns, não se inibia. Elogiava e se entusiasmava a ponto de ficarmos todos encabulados. Meu avô gostava das festividades de São João. Aguardado com ansiedade, chegava em casa com grandes sacos de papel cheios de fogos para soltarmos, sempre segurando nossas mãos para evitar acidentes, o que muito contrariava o nosso desejo de independência.

O tempo que ele nos dedicou foi o seu tempo possível, porem intenso e prazeroso.” Anna Cecília.

“Bibiano me tratava de forma especial. Via em mim uma pianista que nunca cheguei a ser. Me presenteou com um piano e, algum tempo depois, comprou um outro, dessa vez alemão, bem melhor que o primeiro. Adorava me ouvir tocar. Com frequência, solicitava Pour Elise e a Marcha Turca. Tive o privilégio de receber o nome Lydia, o mesmo da minha vó, sua esposa, pessoa muito querida de todos. Saudades Muitas…” Lídia Glória.

“Eu me impressionava com Bibiano, simultaneamente, absorvendo um copo de whisky, ouvindo o Concerto Nº 3 de Bethoven e dançando numa coreografia própria!” Geraldo Jorge.